O CAVALO DE RODAS
Quando meu tio veio de Paris,
Trouxe-me de lá um cavalo gris,
Com arreios de couro e selim.
Apenas lhe faltava, pra grão rocim,
Saber despedir uma parelha, e enxotar mosca detrás da
orelha.
O meu cavalo de rodas
Não era para rodar,
Mal a casa adormecia
Partíamos a galopar.
Pra sossego da mãezinha,
Abalava sem dar sinal,
E eu saía como o Quixote
Pela porta do quintal.
Mundo fora, à aventura,
Fizesse escuro ou luar,
Uma vez estive em Elvas
Outra além de Gibraltar.
Fomos ver os cavalinhos
- havia na terra arraial –
No carrocel abrasido,
A girar em vendaval,
Às upas, à desfilada,
Lá iam na roda sem fim
Os cavaleiros soberbos,
Mais tesos que o Miramolim.
Pobres cavalos de feira,
Sarapintadinhos, de pau,
Ou então de aço cromado,
Com meninos de berimbau!
O meu cavalinho rifador,
Longe de tal figurino,
Gozava do livre destino
Que lhe dava seu senhor.
Quantas vezes eu a bradar:
- Upa, upa, meu
cavalinho,
Mais longe vamos deitar,
Quero-me em Toledo
Às portas do Alcazar.
Leva avante sem medo,
Rompe pelo negro bosque,
Para o seu fero dragão
Tenho aqui o estoque.
Eu espicharei o dragão,
Lobo, leão, que seja,
Minha folha toledana
Nunca perdeu a peleja.
Que proezas não fiz montado
No meu cavalo rodeiro,
Montes, vales, serras fora,
Não tinha extremas o roteiro!
E não se diga que eu sonhava,
Que bem ouvia os relinchos
Do cavalinho ligeiro,
Ora a galope, ora aos pinchos.
Que sonhos de glória e ilusão
Alimentou o meu corcel gris?!
Só o cavalo branco de Napoleão,
Herói eu igual ao Amadis!
Aquilino Ribeiro (de O Livro de Marianinha)
in De mão dadas pela estrada fora… Antologia de
textos, Luísa Dacosta