
- Má raios partam o mar! Então quereis morrer
à fome e os mininos?
Se os batéis estão em perigo, corre a costa,
açoitada pelo vento, bebendo as lágrimas e o cuspo do mar, e contendo o coração
em farrapos, com as mãos negras apertadas sobre a tábua rasa do peito.
-
Quem lhe falta tiazinha?
-
O meu filho, o meu neto. Já o maldito me levou o pai, leva-me agora os filhos!
Andou
toda a vida de luto. Viu-os despedaçados nas pedras, e deitou toda a ternura
que tinha para deitar. Mas incita-os, pragueja, empurra-os para que não haja
fome em casa. Só o mar dá o sustento e a morte. Há mais de um mês que dura o
Inverno.
-
Má raios partam o mar!
E
corre com as redes à cabeça, a cesta no braço, e os soluços represados na
garganta, levando o neto atrás de si a rastos para o barco.
-
Tenho chorado tantas lágrimas como aquele mar salgado! ...
![]() |
Raul Brandão, in Os Pescadores (1923)
"Mar Salgado” – Augusto Gomes
Proposta
de escrita
«Só
o mar dá o sustento e a morte.»
A posição que se assume
perante o mar varia em função da perspetiva de quem o observa. Refere-te ao
mar, àquilo que nele aprecias ou detestas, àquilo em que ele te cativa ou
desagrada: o mar – local de trabalho, de prazer, de poluição…